Vivemos tempos complexos para as democracias: desde políticos corruptos a incompetentes, passando pela falta de capacidade de acção sobre matérias decisivas para o bem-estar (como a regulação da globalização, que foge ao controlo das democracias nacionais), somando-se a desinformação que viraliza nas redes sociais, hoje é cada vez mais difícil ao cidadão comum acreditar nos políticos, fazer escolhas partidárias conscientes e aceitar a democracia como sendo o melhor sistema político possível.
Porém, e isso devia ser ensinado nas escolas desde cedo às crianças, todas as alternativas são piores. Isto é, quanto mais caminharmos para sistemas autocráticos, de decisão individual e pouco escrutinada, mesmo que na mão de pseudo-salvadores das pátrias, pior estaremos. Quer a história do séc. XX, quer os exemplos actuais de sociedades não democráticas, ou pseudo-democráticas, demonstram bem como esses sistemas são muito piores do que as democracias ocidentais.
Assim, temos é que apostar no aprofundamento dos sistemas democráticos actuais, aumentando a transparência na tomada de decisões, a penalização da gestão danosa dos bens públicos, o aumento da rotatividade nos cargos públicos (através da limitação de mandatos em todos os cargos políticos e de gestão pública), e a criação de regras que empurrem os agentes políticos para o bom caminho.
São as regras, não apenas a bondade das pessoas, que nos podem valer para termos um melhor funcionamento das democracias e da gestão pública (o mesmo se pode dizer do funcionamento dos mercados ou das organizações). Obviamente que tudo é mais fácil, e funciona melhor, se os actores políticos e os gestores públicos forem bem-intencionados e honestos. Mas haverá sempre aquele que não o é.
É impossível que o sistema democrático os consiga filtrar todos à partida. Assim, tem é que ser capaz de os filtrar durante. Ou seja, enquanto exercem cargos políticos ou públicos, os indivíduos desonestos, cobardes, incompetentes ou corruptos têm que ser detectados, afastados e punidos. E mais, todo o sistema deve estar construído com base em regras inteligentes que não favoreçam a incompetência ou a corrupção. Isso não passa apenas por molduras penais pesadas para crimes desse tipo, passa, primeiro, por tornar tão difícil, arriscada e não proveitosa a corrupção que os próprios agentes decidem não enveredar por aí.
Exemplo: se exigirmos a um dirigente governativo (desde ministros a presidentes de câmara) uma total transparência bancária durante x anos, desde que iniciou as suas funções, muito dificilmente ele aceitará subornos. Obviamente que tal eliminação da privacidade financeira deve ser compensada. Aos políticos deve-se pagar mais, mas ser muito mais duro na sua fiscalização.
Aqueles que forem incompetentes e desonestos, e que queiram usar a política para fins meramente pessoais, sentir-se-ão dissuadidos a entrarem nestas funções. Por seu turno, os que gostarem da causa pública e se pautarem por comportamentos sérios, não temerão essa transparência. Se pensarmos nos ganhos públicos de termos gente competente e honesta a gerir o Estado, em vez de corruptos desonestos, seguramente que se pouparia muito dinheiro, mesmo aumentando substancialmente as remunerações dos dirigentes políticos.
A caça às bruxas que hoje em dia se faz aos agentes políticos, indo atrás de todas as falhas em que incorrem (mesmo as pequenas) e metendo tudo dentro do mesmo saco (desde aquele que marcou uma falsa presença, ao que contratou o primo por ajuste directo, até àquele que roubou 10 milhões), favorece a conclusão de que os políticos são todos iguais.
Essa é uma atitude errada, falsificadora da realidade e perigosa. Leva ao engano e favorece o aparecimento dos líderes messiânicos (como Bruno de Carvalho, Donald Trump, Jair Bolsonaro, Nicolas Maduro, entre outros) que chegam ao poder apenas vendendo um discurso de honestidade e salvação do povo, para nada ou pouco cumprirem depois. Mais grave ainda, essas soluções messiânicas tendem a ser mais autocráticas, logo mais corruptas, ineficientes, menos transparentes e a atraírem os piores.
O que a política precisa é de boas regras. Com boas regras, os melhores apareceram e os piores tenderão a desaparecer. Isso faz-se com mais democracia, não com menos. Faz-se com mais debate informado, com mais acesso à informação verdadeira, com a obrigatoriedade de uma maior participação e escrutínio cívico de todos e com um sistema jurídico claro e eficiente. Não erremos o caminho.
Gabriel Leite Mota, publicado no Público a 24 de Janeiro de 2019