Um engenheiro é aquele que usa as leis da física para intervir sobre o mundo. Sabendo as leis da matéria, da química e as forças, pode-se recompor os elementos de formas mais convenientes: fazendo pontes, estradas, edifícios, barragens ou carros e aviões, os engenheiros reorganizam a matéria na direcção do nosso conforto.
Apesar da complexidade que alguns projectos acarretam, e de todas as análises matemáticas que são necessárias, a tarefa do engenheiro goza, ainda assim, de uma segurança: a imutabilidade das leis da física. Elas existem e resta-nos descobri-las. Uma vez descobertas, podemos actuar sobre a realidade e transformá-la segundo a nossa vontade. É assim que se tem conseguido o progresso material da humanidade.
Mas isso diz só respeito à recomposição dos elementos naturais. Acontece que há todo um outro lado da vida, que não diz respeito aos elementos inanimados mas à interacção entre os seres humanos. A isso chama-se o domínio social. Aí, olhamos para as relações humanas (que originam ordens e acasos), que são o objecto de estudo das ciências sociais. Neste domínio, também podemos dar o salto que é dado da física para a engenharia e pensar em política social. Isto é, o que podemos nós fazer para actuar sobre a sociedade, conduzindo-a a uma situação melhor? Porém, essa tarefa, que podemos denominar por engenharia social, é muito mais complicada…
Tudo nela é difícil: saber quem pode actuar (os políticos, os cientistas, os empresários ou todos os cidadãos?); definir “situação melhor” (será o crescimento económico, a sustentabilidade ambiental ou a felicidade?); encontrar as ferramentas e os procedimentos correctos para se chegar ao local desejado (os diversos modelos sociais); compreender a transformação do comportamento individual no comportamento colectivo (o todo não é a soma das partes). Como se isto não bastasse, ainda nos deparamos com uma complexidade adicional. É que, ao contrário do que acontece com as leis da física, que não se alteram pela intervenção dos engenheiros (a construção de uma ponte não altera a lei da gravidade), as intervenções sociais acabam por interferir com o próprio comportamento e preferências humanas. Ou seja, mesmo que soubéssemos, do passado, como se comportavam os seres humanos colectivamente, nada garante que, durante a implementação de uma determinada política, esse comportamento não se altere. Por isso é muito difícil (senão impossível) falar em leis sociais e também por isso é errado usar a metodologia de física para se construir uma ciência social…
Enfim, a analogia entre a física e as ciências socias e entre a engenharia e a política só pode ser feita se compreendermos os expoentes de complexidade adicionais da realidade social.
Uma nota final vai para a ética e para a moral. É que quando propormos um desenho social, os elementos que manipulamos são os seres humanos, cuja dignidade devemos respeitar. Por isso não podemos fazer tudo o que quisermos. Enquanto o betão de uma ponte não se queixa, um ser humano tem o direito de se queixar, por uma carga adicional a que o sujeitem ou por o terem dispensado. O elemento nuclear da realidade social é o ser humano e é ele o manipulado pela engenharia social. O engenheiro social (seja ele quem for) tem que ter isso sempre presente e constringir o desenho das suas políticas segundo uma ética pré-definida e uma concepção de justiça adequada.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Público a 16 de Abril de 2014
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