Monday, April 21, 2014

EM BUSCA DO HEDONISMO SUSTENTÁVEL

Normalmente associa-se o hedonismo à obsessão com o prazer instantâneo, momentâneo e insustentável. Pensa-se nos hedonistas como uns "easy riders" a quem não interessa o amanhã senão um presente cheio de prazer e de vício. Se é um facto que pode haver quem assim interprete o hedonismo, não é verdade que assim tenha que ser. Pelo contrário, podemos pensar num hedonismo sustentável, de longo prazo, em que o prazer actual é compatível com o prazer futuro.

Este é um tópico de infindáveis discussões filosóficas, religiosas e morais onde cada disciplina dá a sua visão sobre o lugar do prazer e do sofrimento na condição humana. 

Mas também a ciência tem contribuído para esta discussão, explicando cada vez melhor os mecanismos neurobiológicos do prazer e da dor. E aí, não restam muitas dúvidas: a lei da vida é a busca do prazer e a fuga da dor (António Damásio deixa isso bem evidente nos seus livros). É isso que o nosso corpo está, constantemente a fazer (mesmo sem termos consciência de tal facto). A regulação da temperatura corporal, da tensão arterial, da respiração, o controlo das necessidades calóricas e energéticas, enfim, todas as regulações vitais operam segundo um princípio simples: o que nos faz bem dá-nos prazer ou sacia-nos; o que nos agride causa dor ou desconforto. Esse hedonismo é um princípio inerente a todas as espécies vivas: o prazer que nos dá saciar os impulsos biológicos como a sede, a fome, o desejo sexual, o sono ou o atingirmos a temperatura corporal confortável é uma condição sine qua non para a manutenção da vida e para a perpetuação da espécie. 

É evidente que, depois, aos níveis elevados da nossa consciência e pensamento, todo esse processo se complexifica e a relação entre prazer e dor e bem e mal deixa de ser tão linear (até porque entram em jogo os prazeres intelectuais, estéticos e relacionais e as angústias existências e o medo do futuro). Mas os desvios marcados em relação ao hedonismo primordial são sinónimos de mau funcionamento do organismo: a depressão (em que deixamos de ter prazer com o que normalmente nos dava prazer), o vício (que nos põe a repetir exageradamente o que inicialmente nos dava prazer) ou outras perturbações mentais fazem com que tomemos atitudes desrespeitadoras da vontade do corpo (como não comer, automutilarmo-nos, não dormir ou reprimir o desejo sexual) o que, a prazo, põe em risco a nossa própria vida e a perpetuação da espécie. 

Um organismo em bom funcionamento tem uma mente em bom funcionamento. Nesse caso, as nossas decisões tenderão a ser equilibradas e na direcção do prazer (seja ele básico ou intelectual). Mas como somos inteligentes, não procuramos só o prazer momentâneo, especialmente nos casos em que esse prazer pode minar as possibilidades de voltarmos a ter prazer no futuro. O contrário disto é viver uma vida sistematicamente alheada do prazer. E, isso sim, é uma via insustentável e um absurdo anti-natura. É que uma vida alheada dos prazeres é uma vida carregada de dor, sofrimento, stress e depressão, que causam um caldo biológico que deprime o nosso sistema imunitário, envelhece as nossas células e conduz-nos a uma morte prematura. 

Numa frase: nunca nos podemos esquecer que estamos aqui para sermos felizes e que para o sermos devemos ir em busca de um hedonismo sustentável. 

Gabriel Leite Mota, publicado no P3 a 21 de Abril de 2104

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