Wednesday, April 23, 2014

EMPREENDEDORISMO DE ABRIL

Há quarenta anos atrás, a 25 de Abril de 1974, consumou-se um verdadeiro e fundamental acto empreendedor. Um conjunto de capitães do exército português tomou nas suas mãos a difícil tarefa de pôr fim à ditadura que reinava em Portugal desde 1926. Fê-lo de uma forma simples, eficaz e duradoura. Sem esse acto de empreendedorismo não se sabe por quantos mais anos Portugal teria continuado a ser o país cinzento à beira-mar.

Num tempo em que está tão na moda o empreendedorismo (até há aqueles que vivem apenas de o pregar), muitos esquecem-se que há vários tipos de empreendedorismo e de empreendedores e que certos empreendimentos são muito mais importantes que outros.

Em Abril de 1974 materializou-se todo um processo que, laboriosa e astutamente, um conjunto de jovens capitães decidiu pôr em marcha. Juntando o inconformismo à coragem e à capacidade organizativa e de liderança, esses capitães foram capazes de levar a cabo o mais importante dos projectos: dar paz (porque acabaram com a guerra colonial) e liberdade (porque implantaram a democracia parlamentar) ao povo português. Nesse sentido, o empreendedorismo de Abril é o pai de todos os outros que se seguiram.

Muitos queixam-se que Portugal ainda não cumpriu Abril. Uns queixaram-se logo em Novembro de 1975. Outros queixam-se, hoje, face ao beco (sem saída?) a que a crise nos conduziu.

Mas de nada disso o 25 de Abril tem culpa. Muito pelo contrário: quase todos os males da nossa democracia têm a ver com o facto de termos estado demasiado tempo em ditadura (enquanto os países do norte da Europa já eram democracia maduras). A democracia é um jogo que requer um largo tempo de aprendizagem. Portugal, com 48 anos de ditadura anacrónica, partiu, em 1974, com um défice democrático difícil de ultrapassar. O baixíssimo desenvolvimento humano, que os portugueses tinham em 1974, é a principal causa para que Portugal não se tenha conseguido tornar numa democracia desenvolvida e pujante.

Aquilo que, hoje, funciona mal na nossa democracia tem essencialmente a ver com vícios da ditadura: a corrupção, o caciquismo, o amiguismo, empresários a viverem à custa do Estado (as PPPs são um exemplo paradigmático), o anacronismo de certas instituições ou a falta de espírito crítico e empreendedor são consequências do regime ditatorial onde imperava a censura, o orgulhosamente sós, o conservadorismo e o dogmatismo. E tudo isso é péssimo, não só para a democracia como para o bom funcionamento do sistema capitalista.

Ou seja, a única coisa de que poderíamos acusar os capitães de Abril é o facto de não terem sido empreendedores mais cedo. Se, por exemplo, o 25 de Abril tivesse ocorrido em 1958, Humberto Delgado talvez tivesse ganho as eleições presidenciais desse ano. Depois, tudo teria sido diferente e Portugal seria hoje, provavelmente, um melhor país para se viver.

Gabriel Leite Mota, publicado no P3 a 23 de Abril de 2014

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