Um dos grandes méritos do estudo da felicidade na economia tem sido o renascimento do debate entre Economia e Economia Política.
Se é verdade que a Economia nasceu como Economia Política, alguns economistas sentiram a necessidade, nos finais do séc. XIX e inícios do séc. XX, de fazer uma suposta purificação da Economia, expurgando-a de todas as considerações subjectivas e ideológicas. Embora esse fosse um projecto meritório (pois que à ciência não compete a opinião ideológica), o certo é que tal separação nunca foi verdadeiramente conseguida, ainda que muitos pensassem que o problema tinha sido resolvido. A economia da felicidade veio demonstrar não só que o problema não estava resolvido como nunca poderia estar, uma vez que a análise de política económica pressupõe, sempre, uma opção ideológica que só pode ser clarificada através de um debate de filosofia moral...
Ao assumir uma definição clara de bem-estar (a felicidade sentida pelas pessoas), a economia da felicidade obriga àqueles que a contestam a proporem definições alternativas: será riqueza, será produção, consumo, eficiência, sustentabilidade, esperança média de vida? Muitos economistas esquivaram-se a essas definições dizendo que as análises de política que faziam eram objectivas, na medida em que resultavam das derivações matemáticas dos seus modelos, supostamente não enviesados ideologicamente. Acontece que não podemos falar de eficiência ou utilização óptima de recursos sem que um critério ideológico esteja presente (neste caso, o critério de valorizar eficiência acima de outros valores como equidade, liberdade ou felicidade).
O segundo grande mérito de economia da felicidade é já ter conseguido encontrar evidência empírica (com robustez de 20 anos de estudos sucessivos) que nos permite caracterizar o comportamento humano no que respeita à capacidade de produzir felicidade colectiva. Nesses resultados há um misto de verdades "lapalissianas" (embora os economistas ortodoxos as tivessem sempre ignorado) com alguns resultados mais surpreendentes.
De entre os muitos resultados que hoje conhecemos, destaco os seguintes: adaptamo-nos muito rapidamente aos bens materiais; as diversas áreas da nossa vida não são substitutas perfeitas umas das outras (ex., não conseguimos compensar a morte de um cônjuge com um melhor salário...); a relação entre a expectativa e o realizado é crucial para a felicidade; a relação entre riqueza e bem-estar é positiva mas não linear; o desemprego é das condições mais destruidoras de felicidade; mais do que o montante absoluto, é o que detemos comparativamente aos outros que determina a nossa felicidade; a qualidade das relações pessoais e das instituições públicas são fundamentais para uma sociedade feliz. Em suma, comparamo-nos uns com os outros (e gostamos de ficar à frente...), adaptamo-nos facilmente às nossas posses materiais, gostamos de estar próximo das nossas expectativas e precisamos dos outros para nos sentirmos bem.
Todas estas realidades têm profundas implicações políticas: os fenómenos de adaptação e comparação justificam a taxação das "corridas de ratos" (situações em que os agentes entram em consumos espúrios apenas para se manterem a par dos demais); a importância da qualidade das relações interpessoais e das instituições força a política a focar-se na educação, no civismo, no combate à corrupção e na promoção da confiança e da democracia; o facto de a riqueza ter produtividade marginal decrescente na produção de felicidade força as políticas económicas a não darem exclusividade ao crescimento quando já se atingiu determinado patamar (cerca de 15.000USD de PIBpc, segundo os estudos); o facto de não podermos substituir perfeitamente os diversos aspectos da nossa vida deve direccionar a política no sentido da promoção do lazer e da família e não somente da produção. O contrário disto é as políticas económicas serem desenhadas como se todos estes factos não existissem. As consequências de tal autismo são muito concretas: as políticas mundiais que nos conduziram à crise actual não os tiveram em conta e produziram a infelicidade e a insustentabilidade que hoje grassam...
A questão final diz respeito à implementação prática das políticas de felicidade: deve ser uma meta da política governativa ou devemos apenas desenhar as leis (nomeadamente a constituição) para que seja mais fácil a construção colectiva da felicidade? Aqui também não há respostas únicas nem científicas: é mais um problema ideológico que tem de ser resolvido democraticamente...
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Público a 24 de Janeiro de 2013
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