Não espero que os políticos sejam super-heróis. Primeiro, porque não existem super-heróis. Depois, porque os políticos não o têm que ser para exercerem cabalmente as suas funções.
Agora, o que se exige a um político governante é mais do que o que se exige a um cidadão comum. Por uma razão muto simples: o poder que o governante tem em mãos é muito maior do que o da maioria dos cidadãos. Numa sociedade equilibrada, a mais poder tem que estar associado maior responsabilidade.
Para além disso, os governantes desempenham uma função simbólica e mediática que obriga a que o seu comportamento, para além de ser, tenha que parecer correcto.
É à luz destes princípios que a situação da dívida à Segurança Social (SS) que Passos Coelho agora liquidou deve ser analisada.
Esta é uma história opaca, que nos tem surgido aos pedaços, e sobre a qual há ainda muitas perguntas por responder: porque disse a SS ao PM que este não tinha dívida quando tinha, para depois dizer que tinha, mas já prescrita? Porque pensava o PM só pagar a dívida depois de abandonar o cargo e, depois, mudou de ideias? Quem teve acesso a estas informações e porque as divulgou? Porque estão a ser instaurados processos disciplinares a funcionários do fisco?
Mesmo que não consigamos responder a estas perguntas, podemos reflectir a partir delas. E, aí, sou reconduzido para um pensamento que já expressei aqui: as exigências de transparência aos governantes deviam ser muito maiores do que as actuais (sobre o seu presente mas também sobre o seu passado e futuro). É que enquanto perdurar a opacidade aqui patente jamais conseguiremos erradicar o poder do ‘spin' mediático ou dissuadir das funções governativas todos aqueles que têm agendas ocultas ou passados (e futuros) pouco recomendáveis. E, sem isto, nunca teremos uma democracia saudável.
Gabriel Leite Mota, publicado no Diário Económico a 4 de Março de 2015